O mercado mundial de construtores de barcos não vive dias felizes há algum tempo. O que fazer para sair desse pesadelo?
Segundo dados oficiais da organização do Rio Boat Show, o salão náutico do Rio de 2014 teve menos expositores e público menor em relação ao evento do ano passado. De acordo com o mesmo levantamento, o volume de negócios também retraiu um pouco. A percepção geral dos fabricantes de barcos mundial é de que o mercado náutico está andando para trás. A situação me faz lembrar o momento vivido pelos eventos náuticos na Europa e nos Estados Unidos em 2010. O sentimento de europeus e americanos quatro anos atrás era de total desesperança, o que me traz à memória um livro que li recentemente.
O Things Fall Apart (O Mundo se Despedaça) é um romance inglês de Chinua Achebe, publicado em 1958. Ele retrata a vida de Okonkwo, um líder poderoso e destemido, em um local fictício de uma aldeia na Nigéria no período pré-colonial na década de 1890. O protagonista Okonkwo é um homem forte, trabalhador e que se esforça para mostrar ao mundo, e a ele mesmo, nenhum sinal de fraqueza. Ele quer dissipar o legado contaminado de seu pai, que sempre foi um sujeito imprestável, ocioso, perdulário, covarde e fraco. Okonkwo trabalha dia e noite para construir sua riqueza. Embora ele seja rude com suas três esposas (sim, três!), filhos e vizinhos, ele é rico e corajoso perante o povo de sua aldeia. Ele é um líder que alcançou uma posição de destaque em sua sociedade, que possuiu uma cultura, que valoriza a determinação de vencer.
Contudo, no decorrer da narrativa, as coisas não saem como ele pretendia. O líder nigeriano se envolve em uma terrível trama e acaba exilado pelo seu próprio povo. Quando retorna, acaba não sendo aceito pela sua aldeia. Mas Okonkwo, um guerreiro de natureza inflexível, não aceita o destino que a vida lhe impôs e tenta corrigir o destino ofertado.
Construtores de barcos, em todo o mundo, são como Okonkwo. Estabelecem seus negócios e se superam a cada dia. São pessoas fortes e forjados como as rochas batidas pelas ondas do mar. Embora o mercado náutico brasileiro não tenha sido atingido em cheio na crise econômica de 2008-2009, ele também não conseguiu crescer como se previa durante os últimos anos. A avaliação dos problemas que afetaram a maioria dos estaleiros no resto do mundo não foi bem decodificada pelos fabricantes nacionais nem pelos estrangeiros aqui instalados. Baixo nível de industrialização, impostos altos, mão de obra desqualificada, inexistência de certificação e redução do interesse do público em geral pelos produtos náuticos são alguns motivos para o momento que vivemos no Brasil. Mas isto não pode ser creditado apenas aos fabricantes nacionais. Construtores de barcos do mundo inteiro, ainda hoje, amargam uma perda de mais de 50% de sua produção, e estão gastando milhões em campanhas para reconquistar o interesse do público e promover eventos náuticos e o estilo de vida no mar.
Situações adversas, mesmo para os fortes, têm o poder de abalar qualquer pessoa ou negócio. Todos estamos sujeitos a ganhos e perdas. Nem o melhor dos melhores escapa. O caminho para se conseguir qualquer coisa na vida tem altos e baixos, tormentas e calmarias. Os problemas precisam ser vistos como desafios — ou, pelo menos, uma oportunidade para conseguir algo melhor. Tirar lições com nossas perdas, como no caso do nosso herói Okonkwo, é a melhor maneira de recolocar nossos projetos no rumo correto.
Fonte: Náutica